Uma mulher virtuosa, quem pode encontrá-la?
Superior ao das pérolas é o seu valor.
Confia nela o coração do seu marido, e jamais lhe faltará coisa alguma.
Ela lhe proporciona o bem, nunca o mal, em todos os dias de sua vida.
Ela procura lã e linho e trabalha com mão alegre.
Semelhante ao navio do mercador, manda vir seus víveres de longe.
Levanta-se, ainda de noite, distribui a comida à sua casa e a tarefa às suas servas.
Ela encontra uma terra, adquire-a.
Planta uma vinha com o ganho de suas mãos.
Cinge os rins de fortaleza, revigora os seus braços.
Alegre-se com o seu lucro, e sua lâmpada não se apaga durante a noite.
Põe a mão na roca, seus dados manejam o fuso.
Estende os braços ao infeliz e abre a mão ao indigente.
Ela não teme a neve em sua casa, porque toda a sua família tem vestes duplas.
Faz para si cobertas: suas vestes são de linho fino e de púrpura.
Seu marido é considerado nas portas da cidade, quando se senta com os anciãos da terra.
Tece linho e o vende, fornece cintos ao mercador.
Fortaleza e graça lhe servem de ornamentos; ri-se do dia de amanhã.
Abre a boca com sabedoria, amáveis instruções surgem de sua língua.
Vigia o andamento de sua casa e não come o pão da ociosidade.
Seus filhos se levantam para proclamá-la bem-aventurada e seu marido para elogiá-la.
“Muitas mulheres demonstram vigor, mas tu excedes a todas”
A graça é falaz e a beleza é vã; a mulher inteligente é a que se deve louvar.
Dai-lhe o fruto de suas mãos e que suas obras a louvem nas portas da cidade.
(Provérbios 31, 10 – 31).
Quando li pela primeira vez este poema divinamente inspirado, logo pensei nas mulheres de antigamente: muito admiráveis, é verdade, mas sem relação com a realidade atual, pois “os tempos mudaram”.
No entanto, como católica, sei que a Palavra de Deus não muda. E, de fato, a pergunta se mantém mais atual que nunca: uma mulher virtuosa (ou forte), quem pode encontrá-la? E mais: onde ela está em nós mesmas, como fazer emergir e florescer esta mulher dentro do contexto dos nossos loucos dias de hoje?
Em primeiro lugar, percebemos que no texto bíblico a mulher forte é retratada no ambiente do seu lar e na relação com a sua família. Este cenário diverge da pressão cada vez maior para nos dedicarmos ao trabalho fora de casa. Os cuidados com o lar acabam sendo relegados a um segundo plano, “terceirizados” ou mesmo negligenciados. Sem saber o que fazer com a falta de tempo e/ou de habilidades e com a culpa subsequente, acabamos nos resignando a esta situação sem resolvê-la efetivamente.
Mas se pararmos para olhar seriamente para essa realidade, tomando como referência a forma como as gerações anteriores lidavam com as responsabilidades e adversidades domésticas, nos questionamos: os anos a mais da nossa educação formal nos capacitou, na mesma proporção, para manter uma família próspera e feliz?
Antigamente, o conhecimento das “prendas domésticas” era repassado de geração em geração. Mas desde a década de 70, essa transmissão foi interrompida. Passamos a frequentar faculdades para nos tornarmos profissionais “independentes”. Mas será que temos o mínimo de autonomia para atender bem às demandas do lar? Afinal, continuamos a viver em casas, e precisamos saber cuidar bem delas, ou será que alguém em sã consciência planejou passar a vida e criar seus filhos morando em hotéis ou flats? Então, qual a diferença fundamental entre a nossa educação e a das que nos precederam?
Com esta perspectiva, voltemos o nosso olhar para as luzes refletidas pelas obras de renomados autores que educaram milhares de mulheres fortes ao longo dos séculos. Consultemos também a nossa própria consciência e experiência para nos certificar da validade das orientações a seguir, e se elas de fato “desvalorizam” as mulheres, como sugerem os ideólogos de plantão.
Para esta reflexão, o Monsenhor Landriot, no seu livro “A Mulher Forte”, nos ajuda a traçar o retrato da mulher virtuosa, com seu caráter doce e, ao mesmo tempo, enérgico, que compreende os seus deveres e os cumpre com perseverança. Ele também nos lembra de algo esquecido nos dias de hoje: “apenas a religião pode dar ao nosso caráter a solidez e a superioridade de energia que coroam o uso das nossas melhores faculdades”; e acrescenta: “fora de Deus e da sua assistência sobrenatural, a natureza é muito fraca”. Assim, Landriot, em primeiro lugar, nos exorta a sermos “verdadeiras cristãs, profundamente piedosas e que façamos de Deus o alimento habitual das nossas vidas”.
Landriot reforça também que um dos principais deveres naturais da mulher é o governo do lar, pois isso em muito contribui tanto para a conservação da sua virtude como da sua saúde. O trabalho manual, qualquer que seja, é um dos mais úteis recursos na vida das mulheres. É lamentável que esteja tão desvalorizado ultimamente.
E acrescenta: “a mulher, diz a Escritura, é o sol da casa. Como o astro do dia, deve iluminá-la e aquecê-la, iluminando o que cada um deve fazer e fiscalizar a execução. Então, tudo é esclarecido pelo seu espírito de regularidade. O seu olhar vigilante projeta a luz que preside ao movimento do interior da sua casa. Quando isso não acontece, quando a dona se levanta tarde e dorme moralmente o resto do dia, tudo vira confusão e desordem”.
Mesmo nas culturas anteriores ao cristianismo, esta visão sobre a importância da mulher virtuosa na economia doméstica já era compartilhada por Aristóteles e a sua atualidade foi corroborada por expoentes defensores do fortalecimento das famílias.
G. K. Chesterton reforça a figura da mulher como o fogo da casa e comenta: “é de se esperar que a mulher cozinhe, conte histórias aos filhos, costure, e tenha vários hobbies que sejam úteis para as pessoas. Mas chega a ser uma crueldade contra a sua natureza esperar que suporte bem um dever muito competitivo ou burocrático”.
Na mesma linha, Gustavo Corção ressalta a importância do lar para os filhos, o marido e à sociedade em geral, ao referir-se à casa de família como um “viveiro de amizade”. Para ele, “a casa é um lugar onde o amor é preparado obedecendo à lei de todas as germinações: tem de ser elaborado escondido, protegido e fechado”. Assim fermentada, a amizade é, então, distribuída no meio social. Ele também cita a Odisseia de Homero para ressaltar o movimento do homem de volta para casa. “Após as lutas do dia, o homem anseia pelo seu retorno pois, enquanto está na rua, ele se fragmenta em funções e em especializações. E é a sua casa que o restaura e o restitui o que ele é”. Assim, a casa também pode ser vista como uma “clausura para aumento de liberdade e reconquista da unidade”.
Daí a importância do lar. Mas isso não significa que não devemos trabalhar fora de casa se for preciso. Mas cabe tomar os devidos cuidados para que não prejudique a direção da casa ou nos leve ao excesso de trabalho e à exaustão.
Portanto, para que a nossa casa seja um local de acolhida e de paz interior para nós e para quem amamos, é preciso ter sabedoria para ordenar nossa vida e o nosso tempo para o essencial, para Deus e para quem Ele nos confiou. E que colaboremos com a graça divina, por meio do empenho na nossa formação religiosa e na aquisição de habilidades úteis para o governo do lar, como: culinária, costura, trabalhos manuais, noções de arquitetura, decoração e organização da casa, economia doméstica, gestão do tempo, entre outras.
Por fim, é importante contar com uma rede de apoio de mulheres, se possível presencial, para facilitar a troca de experiências, o aprendizado mútuo com maior proveito e o fortalecimento das amizades conforme o conceito de São Tomás de Aquino: das que buscam e rejeitam as mesmas coisas.
E tomando como exemplo a mulher virtuosa, trabalhemos com “mãos alegres”.
Artigo escrito por Flávia Karine, membro do grupo Gratia et Labore.
Para saber mais:
LANDRIOT, Jean-François-Anne, 1816 – 1874. A mulher forte / Mons. Landriot, tradução de Alfredo Campos. Indaiatuba: A Mulher Forte, 2023.
Aristóteles. Tratado de economia doméstica: como administrar a família / Aristóteles, tradução de Pe. José Eduardo de Oliveira e Silva, com apêndice de Santo Tomás de Aquino, G. K. Chesterton e Gustavo Corção. Campinas, SP: Vide Editorial, 2021.
Chesterton, G. K. 1874-1936. O que há de errado com o mundo / Gilbert K. Chesterton, tradução de Luiza Monteiro de Castro Silva Dutra – Campinas, SP: Ecclesiae, 2013.
Corção, Gustavo. Três alqueires e uma vaca. Gustavo Corção. Campinas, SP: Vide Editorial, 2020.
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