“Muitas mulheres demonstram vigor, mas tu excedes a todas”.
Provérbios, 31, 29
“Ensinai-nos a contar os nossos dias, para que tenhamos um coração sábio”.
Salmo 89,12
Ao observar o bombardeio de informações e de peças publicitárias promovendo produtos e serviços voltados para a saúde e bem-estar a que estamos sendo submetidos, percebemos que a busca frenética e a qualquer preço da saúde está cada vez mais imperativa, principalmente nestes tempos pós-pandêmicos.
O mercado de produtos “saudáveis” cresce cada vez mais e não faltam palpites sobre o que está na moda para tratar essa ou aquela doença. Por fim, se gasta muito dinheiro com saúde, mas as pessoas estão cada vez mais cronicamente doentes. Isso não é o pior: somos levados a cultuar a saúde e o bem-estar como ídolos, colocando em risco a salvação da nossa alma.
Então, como nos proteger e cuidar da nossa saúde com uma atitude cristã? Para responder a esta questão, vamos fazer memória do nosso patriarca São Bento de Núrsia, pai espiritual da civilização ocidental e da nossa querida Santa Hildegarda, monja beneditina que tanto nos inspira.
E o que São Bento, há cerca de 1.500 anos atrás, nos deixou como legado e que pode nos ajudar a viver melhor? O teólogo Manfred Böhm, em seu livro “Por Que Monges Vivem Mais”, apresenta uma síntese da Regra Beneditina e como elas podem contribuir para o cultivo de bons hábitos de vida, com recomendações para os cuidados com a saúde do corpo e da alma.
Primeiramente, vamos entender a visão deste santo com relação ao homem: ele considerava o ser humano na sua totalidade (corpo, alma e espírito), e na sua relação com os outros e com Deus. Para ele, a Bíblia expressa o que Deus revelou aos homens por meio da natureza, com seus ritmos estabelecidos.
Outro aspecto refere-se ao modo de vida. Por exemplo, existem muitos monges que são exemplos extraordinários de longevidade. Eles costumam levar uma vida contemplativa, unida a exercícios corporais próprios de uma vida ativa e ao ar livre, respeitando uma dieta sem excessos e renunciando a si mesmos no recolhimento.
Em essência, as regras beneditinas são baseadas nos seguintes princípios: renúncia, permanência e vida comunitária.
A renúncia refere-se ao desapego de tudo o que não é essencial para viver. É o “nada cobiçar”, que leva ao repouso da alma, à amplitude do coração e à serenidade. E isso aumenta a capacidade de regeneração física e psíquica.
O segundo é o da permanência (stabilitas) em uma relação de fidelidade duradoura. Essa atitude possibilita a ordem e a segurança e conduz o indivíduo a encontrar-se consigo mesmo. Já a exigência moderna de mobilidade e adaptação a mudanças constantes faz as pessoas reagirem a tanta pressão com distúrbios psíquicos, como a depressão e a ansiedade.
Por fim, o terceiro fator nos traz a seguinte questão: para quem vivo? A vida comunitária foi sempre muito valorizada por São Bento como uma experiência de acolhimento, de aceitação, de amor e de perdão. É a “escola da vida”, que também nos ajuda a viver com mais disciplina e regularidade.
Por exemplo, refeições em horários regulares são mais fáceis de serem seguidas em uma vida em comum. E uma alimentação sadia não se limita ao que se come, mas também ao como se come. O mesmo vale também para os exercícios físicos e atividades intelectuais.
Essas coisas dão mais prazer se feitas em conjunto, pois precisamos dos estímulos das pessoas que nos são caras e isso, no mínimo, faz bem para a saúde. A importância dos relacionamentos é hoje atestada por vários cientistas como fator que reduz o risco de doenças coronarianas. Portanto, a ciência confirma: “não é bom que o homem esteja só” (Gênesis 2,18).
São Bento também se apoiou na medicina antiga baseada na dietética. Esse termo hoje foi reduzido à “dieta saudável”, mas antigamente referia-se a uma “doutrina da reta condução de vida”. Nesse sentido, a dietética era composta de seis circuitos, apresentados a seguir, cujos componentes devem ser dosados com equilíbrio e harmonia. Em suma, a moderação é a chave para a saúde.
Luz e Ar
Comida e Bebida
Movimento e Repouso
Sono e Vigília
Eliminações
Paixões
1. Luz e Ar
Refere-se à necessidade de ar puro, luz natural, sol, ventilação, temperatura, abrigo, proteção e vestimentas adequadas. Esse item ressalta a importância da arquitetura, da adequação dos espaços de moradia e de trabalho, bem como das nossas roupas e do contato direto com a natureza.
2. Comida e Bebida
A quantidade, o horário e a companhia das refeições são tão importantes quanto os alimentos em si. A regra principal é evitar o exagero. Como diz no Evangelho: “Cuidado para que vossos corações não fiquem pesados pela devassidão (intemperança), pela embriaguez e pelas preocupações da vida”. O jejum também é importante, principalmente o noturno.
3. Movimento e Repouso
A célebre exortação beneditina “ora et labora” pressupõe a alternância entre repouso e movimento corporal (trabalho que usa a força muscular, como as atividades no campo). Devem ser realizados em horários prefixados e revezados com a leitura espiritual ou atividades intelectuais, em um ritmo equilibrado entre trabalho e descanso. Assim, evita-se a ociosidade, estado relacionado à acídia, ao desânimo, o que pode levar a distúrbios como fadiga crônica, esgotamento e depressão e, consequentemente, à perda da vitalidade. Como remédio para esses males, São Bento recomenda a ocupação corporal e espiritual alternada e de forma equilibrada.
4. Sono e Vigília
Esse circuito hoje corresponde aos estudos sobre os biorritmos do corpo, que regulam funções vitais como a liberação de hormônios, temperatura, pressão, rendimento físico, crescimento, digestão, etc. São regulados pelos genes e também por fatores externos, como luz e temperatura.
Hoje a ciência esclarece o que desde os tempos de São Bento já era recomendado: antes de dormir, buscar o repouso, mantendo o silêncio nas primeiras horas da noite. E muitos médicos aconselham desligar os aparelhos eletrônicos duas horas antes de dormir: “após determinado horário, não devemos nos ocupar com coisas importantes, nem matar o tempo com coisas irrelevantes”.
Por outro lado, o sono prolongado também é prejudicial à saúde. O ideal é manter uma rotina de sete a oito horas de sono por dia.
5. Eliminações
São os cuidados para manter as excreções do corpo no seu bom funcionamento, em especial a regulagem intestinal, renal e da pele (suor), que são importantes para a eliminação de toxinas e para o equilíbrio interno, evitando o acúmulo de substâncias prejudiciais. “As coisas do corpo devem fluir, nada reter indevidamente”.
6. Paixões
A dietética inclui saber lidar com os afetos, paixões, sentimentos e pensamentos. Nesse sentido, os padres do deserto ensinavam a doutrina dos oito vícios, ou dos comportamentos falhos que geram sobrecarga para a alma. São eles: gula, luxúria, avareza, tristeza, ira, tédio (acídia), sede de glória e soberba. Para combatê-los, São Bento propõe o cultivo do coração, do amor a Deus, a si próprio e aos outros. Longe de uma visão moralista sobre as paixões, uma vez que elas fazem parte da natureza humana, a orientação é educá-las e moderá-las por meio do cultivo de virtudes que as direcionem para o amor, como a temperança, a humildade, a caridade etc.
São Bento integrou às recomendações da medicina antiga os ensinamentos da tradição cristã, como a leitura das Escrituras e o cultivo do silêncio. Também incentivou uma atitude a qual ele denominou de “dulcedo”, ou seja, a doçura e o encanto que Deus dá aos que o buscam na oração. Também valorizou a virtude do discernimento, ou seja, de saber como se comportar diante das diversas situações na vida.
Por fim, Böhm cita os pontos comuns entre a medicina moderna e doutrina beneditina: “um estilo de vida sadio, com atividades corporais e espirituais, em um entorno social harmônico e promotor de sentido, são fatores de proteção e condições que promovem a saúde no seu todo”.
Artigo escrito por Flávia Karine, membro do grupo Gratia et Labore.
Para saber mais:
Livro Por Que Monges Vivem Mais, de Manfred Böhm.
Conheça o grupo de estudos em busca da verdadeira essência e vocação feminina. O Gratia et Labore faz parte do apostolado do Centro Dom Henrique Soares em Aracaju/SE.